Negócio sem sal enferruja - Um 2021, com Izunomê e muito Axé - por Raphael Müller

Artigo

10 Dezembro, 2020

Em dezembro de 2019, enquanto fazíamos nossas reflexões sobre as perdas e ganhos daquele ano, pessimistas ou otimistas no auge de suas díspares projeções não seriam capazes de cravar o que aconteceu em 2020. Um ano improvável, um ano inimaginável. Agora chegamos ao seu final, ainda na iminência de uma solução para uma pandemia de efeitos sem precedentes na história da humanidade.

Uma das características mais evidentes das situações-limite é a exposição e a amplificação de sentimentos e comportamentos, positivos e negativos. Por um lado, compaixão, empatia e solidariedade ganham terreno, mas na disputa pelo estrelato também competem a raiva, a avareza e o descaso, para citar alguns destes sentimentos que acabam ficando mais exacerbados.

Um dos aspectos mais marcantes para mim é a polarização. Vivemos uma era de polarização sobre todas as coisas e a pandemia foi o ambiente mais que propício para a escalada do vírus da discórdia. Naturalmente, a polarização não é criação do Corona vírus e nem uma exclusividade de nossa sociedade atual, mas se já enfrentávamos suas consequências antes dele, podemos dizer, que assim como em uma contaminação viral em massa, o vírus do extremismo se espraiou atingindo política, economia, saúde, religião e crenças em geral.

Em seu livro, Trapaça: saga política no universo paralelo brasileiro, o jornalista Luís Costa Pinto, descreve os bastidores do processo de impeachment do presidente Fernando Collor de Melo, não como o faria um historiador, mas sim como um dos protagonistas, já que foi ele o responsável pela entrevista bombástica do irmão do presidente à Revista Veja. Em um determinado momento do livro, Luís Costa Pinto revela dois diálogos que teve com Delfim Netto e que nos permitem ter uma ideia das mazelas que posições extremistas podem nos causar.

Em 1991, o jornalista havia acabado de ser deslocado da sucursal da Veja de Recife para o Distrito Federal, e procurava agendar encontros com possíveis fontes e pessoas influentes da capital da República. Agendou então um almoço com Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, do Planejamento e da Agricultura de governos militares, e que na ocasião iniciava o seu segundo mandato como Deputado Federal. 

No badalado restaurante em que foram, Costa Pinto diz ter perguntado ao experiente político a razão pela qual o país não deu certo. Por que o crescimento estaria emperrado e as coisas não andavam? Delfim respondeu com um gesto apontando para o carrinho de apoio do maître. "Nele havia três latas de azeite fabricado no Brasil, um refrigerante brasileiro, uma porção de atum e outra de anchovas pescados no Brasil e até uma taça de vinho Almadén, brasileiro, que ele pedira". Delfim então sentenciaria: "A culpa de não ter dado certo é disso...Como vamos dar certo se estamos isolados do mundo e o mundo nos isola? Não fazemos trocas econômicas, o custo de investir no Brasil é altíssimo. Estamos fadados ao fracasso". 

Pouco mais de um ano depois, novo almoço. O clima era totalmente diferente. No primeiro encontro um ar de esperança e otimismo com o novo governo. No segundo, respirava-se decepção e ansiedade pelo desfecho daquela tragédia política que o Brasil vivia. Enquanto os pratos eram servidos, Costa Pinto repetiu a pergunta: "Deputado, por que tudo dá errado? Por que a economia não anda?". Mais uma vez, Delfim Netto estendeu os braços para o carrinho de apoio do maître. "Estavam ali dezoito garrafas e latas de azeite, nenhum deles de marca nacional. Uma garrafa de soda italiana. Um vinho português. Azeitonas gregas, figos turcos, carpaccio de salmão canadense. A posta de bacalhau do jornalista era norueguesa e o filé do deputado era argentino". Costa Pinto observou: "Mas desta vez é tudo de fora, tudo importado. Diferente do outro dia", ao que Delfim retrucou: "A culpa segue sendo isso. Como uma Nação sobrevive tendo aberto tanto ao comércio exterior, em tão pouco tempo, sem dar oportunidade às empresas nacionais de se organizarem para esta abertura?"

Ao traçar as estratégias e estabelecer os planos de execução dos negócios para o novo ano é preciso evitar os extremos, buscando o caminho do meio. Mokiti Okada (1882-1955), importante filósofo japonês, descreveu três linhas de pensamento para encarar tudo o que acontece em nossas vidas. São padrões de comportamento que todos nós de alguma forma adotamos e que possuem origem nas profundas filosofias xintoístas e budistas. A primeira linha de pensamento é a maneira Shojo. As pessoas que têm um temperamento mais Shojo possuem padrões mais rígidos e restritos. Tendem também a serem mais críticos dos que outros e classificar as coisas cartesianamente como "boas" ou "más". A segunda forma de encararmos a vida é de maneira Daijo. Estas pessoas tendem a ser mais liberais, estando sempre abertas a mudanças. Entretanto, as pessoas de temperamento Daijo também podem tender a um liberalismo excessivo e uma ideia mais generalista sobre os eventos, não se aprofundando muito nas questões. A terceira maneira de encarar o mundo é com uma visão Izunomê. Esta visão significa exatamente a busca pelo equilíbrio, indicando a perfeita harmonia entre o vertical Shojo, focado, restrito e profundo, e o horizontal Daijo, flexível, ampliado e generalista. Sendo assim, Mokiti Okada classifica que a conduta mais adequada seria agir de acordo com as situações, ora aderindo ao princípio de Shojo, ora aplicando a visão Daijo, mas sempre voltando ao ponto central, Izunomê. 

Desejo que em 2021, suas estratégias estejam equilibradas e de acordo com o conceito de Izunomê. E como somos brasileiros, desejo também muito Axé, para que você tenha força e proteção para executá-las!                                 

Até o mês que vem com a nossa próxima pitada de sal!

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O blog "Negócio sem Sal Enferruja" da Inova Business School tem o objetivo de debater assuntos ligados à estratégia corporativa. Caso queira fazer comentários, críticas ou sugestões entre em contato comigo por meio do e-mail [email protected]