Ponto de Contato - O Publicitário precisa ser antes de tudo um Antifrágil - por Eliane El Badouy

Artigo

28 Janeiro, 2021

Fonte: Internet

Recentemente nosso mercado foi chacoalhado com a notícia, já aguardada há algum tempo, de que a Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) pediu, por unanimidade da diretoria, seu desligamento do Conselho Executivo de Normas-Padrão (CENP). 

Vale ressaltar que, mesmo sendo uma das fundadoras do CENP, esse movimento já estava em preparação pelo menos desde 2015 quando, numa "insurreição" inicial, a entidade provocou o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) a desengavetar processo administrativo para investigar "supostas condutas anticompetitivas" praticadas pelo CENP, como a fixação de porcentagem uniforme de veiculação (o desconto-padrão pago pelo veículo à agência); a fixação de limites para o repasse de parte do desconto-padrão aos anunciantes; a tentativa de impedir a expansão dos birôs de mídia; e a famosa BV (Bonificação de Volume), que alguns desavisados ainda insistem em confundir com o desconto-padrão. 

De qualquer forma, embora o caso tenha sido arrastado até 2017, quando o Cade optou por arquivar o processo encerrando, em teoria, um período de discordâncias entre a ABAP e a ABA, acabou deixando um gosto amargo para os anunciantes, que fomentaram no Cade a ideia de que a revisão das normas do CENP era necessária para adequá-las aos "princípios constitucionais da livre iniciativa e livre concorrência" e de que agências, veículos e anunciantes "deveriam ter total liberdade para discutir e negociar seus interesses, de natureza, muitas vezes, globais".

Esse movimento da ABA acendeu o sinal amarelo para modelo brasileiro de publicidade e autorregulação ético-comercial. 

Em paralelo, um outro ponto de atenção, embora controvertido, também passou a incomodar as agências e seu clássico modelo de negócio. O conceito "Betterinside" tem feito brilhar os olhos dos anunciantes para retomada das houses e ascensão crescente das in-houses. 

Agências in-house, House Agencies ou mais popularmente chamadas só de Houses, são estruturas presentes em empresas e operam simulando a operação de uma agência de comunicação tradicional, mas na prática, atuam como um departamento fornecedor interno, funcionando dentro da própria estrutura física e atendendo exclusivamente à empresa na qual se encontra fisicamente instalada. 

Estes sinais só evidenciam o claro desgaste do relacionamento entre agência e anunciantes ao longo dos anos.

A verdade é que, sistemas parcialmente calmos, porém considerados frágeis, apresentam uma inconstância relativa. Essa aparente calmaria faz com que riscos silenciosos se acumulem. E quando eles vêm à tona, pode ser tarde demais.

Em um dos trechos de seu comunicado de desligamento a ABA justifica "o mundo mudou e o mercado evoluiu muito (....) novos e grandes desafios batem à porta o que empurra a entidade para uma reflexão profunda e livre sobre as novas tendências de comunicação e mídia que envolvem interesses dos anunciantes, veículos, agências e tantos outros atores deste segmento econômico".

O mergulho no digital fez com que, conceitos consagrados no mercado de tecnologia e startups, fossem incorporados por todos os demais setores produtivos. Essas metodologias já fazem parte da realidade e do cotidiano de muitas companhias, tornando-se cada vez mais praticadas em todo território nacional.

As empresas, em todas as suas mais diversas áreas, incluindo o marketing, estão buscando trabalhar cada vez mais com a dinâmica de squads, desenvolvendo soluções de maneira mais colaborativa e econômica, usando conceitos como Lean Thinking - visão de processos que otimizam o fluxo de valor para o cliente - data-driven e mindset ágil, que facilitem as atividades da empresa com dinâmicas alternativas, práticas mais adaptáveis, estruturadas em ciclos curtos de prazo com entregas mais rápidas, frequentes, eficientes e flexíveis.

Para se ter uma ideia, segundo levantamento da ANA - Association of National Advertisers, 92% das empresas ajustaram suas mensagens criativas em função da Covid-19. Dentro deste universo, 55% confiaram a tarefa às agências in-house, enquanto apenas 26% a deixaram nas mãos de agências tradicionais e os outros 19% foram para equipes internas.

Ao que parece, para os anunciantes esse modelo entrega mais transparência, mais agilidade, mais economia, além de maior ROI e maior dedicação e criatividade da equipe envolvida. Fica mais fácil exigir e medir. 

Seria essa a tempestade perfeita para impactar de maneira significativa o já bastante golpeado mercado publicitário assim como os profissionais que trabalham na área? 

É fato que estamos sendo testados e passando por provações e desafios a todo tempo e de todos os lados. E também, é fato que desafios são essenciais para todo e qualquer aprimoramento. O conforto excessivo com que estávamos acostumados nos enfraqueceu a vontade, reduziu nossa atenção e acabou por prejudicar o desenvolvimento de habilidades desejadas pelo mercado. Como diria um ditado popular "os melhores cavalos de corrida perdem as competições quando correm com cavalos mais lentos. No entanto, esses mesmos cavalos ganham quando competem com seus grandes rivais". 
O que isso nos ensina? Que a falta de desafios degrada até os melhores. Nos enferruja. 

Há tempos não éramos tão desafiados como nos últimos anos. 

Estamos diante de um dos desafios mais relevantes: Planejar o nosso amanhã. Devemos desenvolver um modelo de pensamento para reverter uma crise a nosso favor. E isso significa ser Antifrágil.  Esse conceito foi criado pelo autor libanês Nassim Taleb — autor do livro "Antifrágil: Coisas que se beneficiam com o caos" e do livro "A lógica do cisne negro: O impacto do altamente improvável". 

A antifragilidade nos faz entender melhor a fragilidade. Assim como não podemos melhorar a saúde sem reduzir as doenças, ou aumentar a riqueza sem primeiro diminuir as perdas, a antifragilidade e a fragilidade são graus em um espectro.

Coisas que são frágeis quebram ou sofrem com o caos e a aleatoriedade. Sistemas, pessoas, coisas frágeis buscam tranquilidade porque têm mais a perder do que a ganhar em tempos de volatilidade. Coisas frágeis são geralmente grandes. O tamanho geralmente oferece uma falsa sensação de segurança, mas grandes organizações, como corporações gigantes normalmente não são ágeis o suficiente para sobreviver, muito menos prosperar em tempos de adversidade. Frágeis dependem de respostas ao estresse que vêm de fora. Pessoas e sistemas frágeis procuram eliminar a variabilidade, o ruído e a tensão.

A antifragilidade está além da resiliência ou robustez. O resiliente resiste a choques e permanece o mesmo; o antifrágil fica melhor, se beneficia e prospera diante dos impactos, do acaso e de agentes estressores. Antifrágeis crescem e se fortalecem com a volatilidade e o estresse (até certo ponto), se alimentam do caos e da incerteza. Taleb compara a antifragilidade à Hydra de Lerna da mitologia grega, um monstro horrível com várias cabeças. Sempre que um herói cortava uma das cabeças da Hydra, duas voltavam a crescer em seu lugar e ela se tornava mais forte com a adversidade. 

Por isso resiliência e robustez não são o mesmo que antifragilidade. A antifragilidade é capaz de evoluir diante dos impactos.

A postura antifrágil atua como combustível para o aprimoramento das pessoas e das empresas. Assumir uma nova forma de olhar o futuro seguindo a visão do antifrágil, treina nosso olhar para identificar oportunidades onde elas aparentemente não existem. Precisamos aprender a usar as incertezas a nosso favor e ter em mente que todo desafio é matéria-prima para conquistas maiores. Afinal, a inconstância é algo próprio e natural da vida e dos negócios.

Nas palavras de Nassim Taleb: 
"A comida não teria sabor se não fosse pela fome; os resultados não têm sentido sem o esforço; a alegria, sem a tristeza; as convicções, sem a incerteza; e uma vida ética deixa de sê-la quando é despojada dos riscos pessoais".

* Com informações via: Meio & Mensagem, PropMark, livro "Antifrágil: Coisas que se beneficiam com o caos" em 22/01/21.

Eliane El Badouy Cecchettini, Badu como é conhecida no mercado, é publicitária, pós-graduada em Marketing pela ESPM, vencedora de 2 categorias do prêmio de Mídia Estadão - Pesquisa de Mídia e Gran Prix, co-autora de 2 livros "Inovação em Sala de Aula" e "Métodos de Ensino para Nativos Digitais", fruto de seus estudos sobre comportamento e consumo de mídia dos nativos digitais. Também é colunista da Revista Eletrônica BREAK do Grupo EPTV - afiliada Rede Globo -, e da coluna Ponto de Contato da Inova Business School. É coordenadora de Futuro e Tendências na Educação do IBFE - Instituto Brasileiro de Formação de Educadores, professora e coordenadora da Pós-Graduação de Economia Criativa, Master de Negócios de Impacto e professora na Pós-Graduação de Neuromarketing da Inova Business School. Seus mais de 30 anos de carreira foram construídos em grandes grupos de comunicação como Editora Abril, Folha de S.Paulo e Sony Enterteniment Television e agências de propaganda. Em sua trajetória profissional atendeu contas como Mc Donald’s, Unilever, Johnson & Johnson, FIAT, Bradesco, L'oréal, Tetra Pak, 3M, CPFL, Souza Cruz, Internacional Paper, entre outras. É Head de Media Intelligence & Consumer Insights da Targget House, Conselheira TrendsInnovation, Associate Partner da Inova Consulting para Futuro, Tendências & Consumer Insights, além de pesquisadora do comportamento, mecanismos de atenção e do consumo de mídia contemporâneos.