Ponto de Contato - O que o BBB20 pode nos ensinar - por Eliane El Badouy Cecchettini

Artigo

28 Fevereiro, 2020

Em 2006, Henry Jenkins - professor de Comunicação e diretor do programa de Estudos de Mídia Comparada do MIT - publicou a primeira edição de seu livro Cultura da Convergência, onde trazia pela primeira vez questões importantes sobre transformações culturais que ocorrem à medida que os meios convergem.

A cultura da convergência é um fenômeno que, há algum tempo, está revolucionando o modo como encarar a produção de conteúdo em todo o mundo, bem como a revisão dos modelos de negócios a ela relacionados.

Num contexto de transformação digital, com uma sociedade sempre conectada e na qual os limites entre real, virtual, público e privado se misturam, o conceito das narrativas transmídia se fortalece. Nesse contexto, nasceu também a social TV. Basta olhar a lista de assuntos mais comentados do Twitter, por exemplo, para ver a força da união entre TV e mídias sociais. Reality shows, campeonatos esportivos, festivais de música, o último capítulo da novela: tudo é pauta para as redes.

O Google Trends também costuma indicar, exibindo o volume de buscas sobre determinado tema, e mostrando o quanto um assunto surgido na TV repercute na internet.

A edição deste ano do reality BBB20 explorou muito bem esse conceito, mostrando que a TV ainda se mantém bastante viva e potencializada através do fenômeno da Social TV.  Ao mesmo tempo em que assistimos a novela ou qualquer outro conteúdo de televisão, usamos nossos dispositivos para interagir nas redes sociais. Compartilhamos opiniões e eventualmente vamos nos referir àquilo que mais nos agrada ou não. Estamos falando de uma audiência de televisão cada vez mais conectada, que utiliza simultaneamente seus dispositivos móveis enquanto fica ligada na programação da TV. O resultado é o engajamento quase instantâneo.

E justamente para aproveitar o efeito Social TV que pela primeira vez, o programa convidou influenciadores digitais para compor o elenco de confinados juntamente com anônimos que se inscreveram para participar do Big Brother Brasil.

Para falar sobre esse assunto, há alguns dias, dei uma entrevista para Mariana Cruz da revista eletrônica BREAK - EPTV, cujos trechos reproduzo aqui visando chamar a atenção para algumas lições importantes que essa estratégia da TV Globo pode nos ensinar:


Do ponto de vista de mídia

  • Mídia nova não mata mídia velha, mas exige movimentos rápidos e autênticos de adaptação.

  • O reality superou o índice de audiência atingido na estreia da edição do ano passado, com uma média de 27 pontos. Em 2019, no primeiro dia, a casa mais vigiada do país atingiu 23 pontos.

  • Passadas duas semanas, após sua estreia em 29 de janeiro, o BBB20 já havia superado todo o volume de buzz da edição de 2019, além de bater os recordes de menções das três últimas edições (2017, 2018 e 2019).

  • Ainda, segundo dados da Kantar Ibope Media, da primeira para a segunda semana, a concentração de jovens de 18 a 34 anos assistindo ao programa cresceu 6%. Comparando com a edição anterior, esse número cresce para 7%.

  • As plataformas digitais da Globo apresentaram altas significativas. Na segunda semana de programa, houve um total de 64.3 milhões de plays, tendo crescimento em todas as plataformas, principalmente no Globoplay, que cresceu 161% e representou 67% do total de visualizações do período.

  • Os influenciadores digitais levaram novos telespectadores para compor a audiência do programa, principalmente os mais jovens como pode ser visto nos números acima.

  • A TV ajudou os influenciadores digitais a turbinar seus seguidores, já que muitas pessoas ainda não os conheciam, por atuarem em nichos específicos e em termos de alcance o Instagram não tem o mesmo poder de fogo que a TV. Um bom exemplo é o da artista Manu Gavassi e da médica Marcela McGowan, que  ganharam mais de 3 milhões de seguidores, cada. Antes de entrar no Big Brother, Manu Gavassi tinha 4,4 milhões de seguidores e atualmente tem 7, 8 milhões. Já Marcela tinha 26,5 mil follwers antes de entrar na casa e agora tem 3,5 milhões de seguidores.


Do ponto de vista de repercussão e engajamento

  • Assunto surgido na TV repercute na internet, e vice-versa.

  • O BBB20 gerou mais buscas na internet brasileira em janeiro do que o presidente da República, Jair Bolsonaro, e o coronavírus, epidemia que colocou o mundo em alerta. A informação consta em um estudo feito pela plataforma Sem Rush que audita sites de pesquisa na web. De acordo com o levantamento, os termos "BBB" e "BBB 20" renderam 3,290 milhões de buscas somadas, enquanto "Bolsonaro", "Jair Bolsonaro" e "governo Bolsonaro" tiveram 1,882 milhão de procuras em mecanismos como o Google. O termo coronavírus foi pesquisado 246 mil vezes entre 1º e 31 de janeiro.

  • A busca pelo termo "sororidade" no Google aumentou 250% depois que a Manu Gavassi usou a palavra para justificar seu voto no Felipe Prior. 

  • O tema feminismo entrou em cena durante as primeiras semanas e acendeu debates nas ruas, fruto do amadurecimento da geração Z, principal contingente dos seguidores dos digitais influencers participantes.

  • O batom que a participante Rafa Kalimann usou no BBB20 se esgotou e, devido ao grande volume de compras, o site da empresa acabou saindo do ar.


Do ponto de vista de Branding

  • Manu Gavassi como marca e sua brilhante estratégia de branding.

  • Sua entrada em um reality show não foi apenas um movimento de autoconhecimento, mas também de expressão de sua autenticidade. Claramente, a decisão antes julgada como um assassinato de reputações foi milimetricamente calculada por Manu e sua equipe de marketing, um coletivo de profissionais que visa produzir branded content e tem a cantora como porta-voz para os produtos.

  • Visibilidade - ela passou a ser vista 24 horas na TV e em todas as redes sociais. Quer exposição maior que essa?

  • Storytelling - Sua entrada foi acompanhada de uma chuva de vídeos exclusivos e spin offs de sua websérie "Garota Errada", que deixou prontos antes do confinamento, usando aspectos de sua personalidade, para construção de uma narrativa usando como ponto central o fato dela "não saber quem ela é".

  • Neuromarketing - Os conteúdos liberados semanalmente ultrapassam os limites de formatos. Após o sétimo dia de vídeos contínuos, por exemplo, Manu lançou o clipe áudio de desculpas. Curiosamente, a cantora aparecia dentro do reality utilizando as cores e o figurino dos vídeos divulgados. Isso também é conhecido como primming effect.

  • Transmídia em sua melhor forma, graças a capacidade de estar em várias plataformas e produzir diferentes conteúdos sem deixar de fazer a integração com o conteúdo principal, de maneira onipresente, entendendo como cada plataforma funciona para tirar o melhor proveito de cada uma delas Ex.: conteúdo diário no Intagram, overposting no Twitter, Youtube etc....

  • Comunidades se desenvolvem em torno de alguém que compartilha dos mesmos valores e crenças, e apresenta comportamento semelhante gerando identificação. Em uma semana, foram ganhos mais de 1,5 milhão de seguidores em sua conta do Instagram - inclusive, se tornando a personalidade com o maior número de seguidores conquistados em menos de 24 horas. 

Por fim, e não menos importante, a lição de que publicitário não pode ter preconceitos sobre conteúdos, meios e veículos. Podemos não gostar de determinados conteúdos, podemos não usar determinadas plataformas, mas não temos o direito de acreditar que todos os consumidores se pautam por nossos padrões de escolha. É nosso dever conhecer a tudo e nossa obrigação levar a mensagem onde o povo está, não onde gostaríamos que ele estivesse.


Eliane El Badouy Cecchettini, Badu como é conhecida no mercado, é publicitária, professora e coordenadora da Pós-Graduação de Economia Criativa e professora na Pós-Graduação de Neuromarketing da Inova Business School. Seus mais de 30 anos de carreira foram construídos em grandes grupos de comunicação como Editora Abril, Folha de S.Paulo e Sony Enterteniment Television e agências de propaganda. Em sua trajetória profissional atendeu contas como Mc Donald’s, Tetra Pak, 3M, FIAT, CPFL, Souza Cruz, Unilever, Johnson & Johnson, Internacional Paper entre outras. É consultora sênior de Futuro, Tendências & Consumer Insights da Inova Consulting e pesquisadora do comportamento, mecanismos de atenção e do consumo de mídia do jovem contemporâneo.