Ponto de Contato - A próxima década da TV - por Eliane El Badouy

Artigo

28 Novembro, 2020



turned-on flat screen television

Foto: Unsplesh



Por praticamente toda a sua existência, a vasta indústria global da televisão sobreviveu e prosperou em meio a uma série de transformações. Desde que substituiu o rádio como meio de comunicação de massa mais popular na década de 1950, a televisão desempenhou um papel tão importante na vida moderna que, para alguns, é difícil imaginar que não existisse. 


Ao refletir e moldar valores culturais, a televisão foi às vezes criticada por suas alegadas influências negativas sobre as crianças e jovens e, em outras ocasiões, elogiada por sua capacidade de criar uma experiência comum para todos os seus telespectadores. Principais eventos mundiais, como a chegada do homem à Lua, a Copa do Mundo do México de 1970, a cobertura do movimento das Diretas Já após anos de ditadura no Brasil, a explosão do ônibus espacial Challenger em 1986, os ataques terroristas de 2001 no World Trade Center, o impacto e as consequências dos tsunamis do Oceano Indico em 2004 e do Japão em 2011 assim como a eleição de Barak Obama em 2008, o primeiro presidente dos EUA afrodescendente, foram transmitidos pela televisão, unindo milhões de pessoas em tragédia e esperança compartilhadas. Hoje, à medida que a tecnologia da Internet e a transmissão por satélite mudam a maneira como as pessoas assistem à televisão, o meio continua a evoluir, solidificando sua posição como uma das invenções mais importantes do século XX e com um grande potencial de evolução e transformação para o século XXI.


De acordo com o novo PwC Global Entertainment & Media Outlook, para o vasto setor global de televisão, este é o melhor e o pior dos tempos. Esta é uma era de ouro da televisão. Programas com qualidade de cinema, como Game of Thrones, atraem um grande público. Eventos como a Copa do Mundo FIFA 2018, transmitidos em tempo real para uma audiência global de 1,1 bilhão, provam o poder único do meio de reunir audiências ao vivo verdadeiramente imensas. 

Então veio 2020, pandemia e quarentena, e por incrível que possa parecer, principalmente para os desafetos deste meio, sim, as pessoas estão assistindo mais televisão do que nunca.


No Brasil, dados Kantar Ibope mostram o fortalecimento da conexão da sociedade com a televisão, a partir do crescente consumo de conteúdo televisivo. Algo comprovado tanto pelo aumento no número de televisores ligados, que chegou a +17% na média diária em todo Brasil, quanto no tempo dedicado à atividade, que agora chega à 7h32 min diários, um crescimento de 20%. O perfil do público também tem mudado, com especial destaque para o aumento da audiência entre os mais jovens. A quantidade de espectadores entre 12 e 17 anos, registrou um crescimento de 21%, e entre pessoas de 35 a 49 anos, o aumento chegou a 22%. Faixas etárias que mais tiveram suas rotinas alteradas por estarem, respectivamente, em idade escolar e no grupo que representa 35% da força de trabalho brasileira. Houve, ainda, incremento de audiência nas diferentes classes sociais, sendo de 26% na classe AB; 16%, na classe C; e 8%, na classe DE. Público este que se destaca, ainda, pela grande confiança depositada nos canais de TV aberta e por assinatura. 


Em tempos de fake news e desinformação a confiança e a credibilidade depositadas nas mídias clássicas como a TV aumentaram consideravelmente, impulsionadas pela necessidade de comunicação confiável e educadora sobre a pandemia.


Já a Pesquisa de Tendências de Mídia Digital da Deloitte 2018 afirma que com o sucesso do vídeo sob demanda (VoD), os consumidores esperam cada vez mais um conteúdo relevante acessível a qualquer hora, em qualquer lugar e no formato que melhor se adapte às suas necessidades.

A abordagem do estudo não visa prever o resultado mais provável, mas sim ilustrar o que poderia acontecer de forma plausível no mundo da TV e do vídeo. Também sugere como os participantes do mercado de hoje podem se adaptar para lidar com as muitas mudanças e incertezas que ocorrerão ao longo do caminho.

O mercado altamente dinâmico de TV e vídeo é caracterizado por novas ofertas de mercado emergentes, players digitais disruptivos e exigências do consumidor que mudam rapidamente. Nesse ambiente incerto, as etapas estratégicas dos stakeholeders relevantes serão fatores cruciais para influenciar o cenário de mercado futuro. O que eles decidirem hoje terá efeitos importantes em suas futuras relações com o consumidor, na estrutura do mercado e nos padrões tecnológicos.


A TV tradicional e as ofertas de conteúdo não linear coexistirão. Novos players e já existentes irão se reposicionar ao longo da cadeia de valor em um mercado parcialmente consolidado.

O estudo feito pela Deloitte apresenta ainda um conjunto abrangente de drivers subjacentes que potencialmente moldarão o futuro da indústria de TV e vídeo. 

A saber:


A digitalização mudará as funcionalidades de produção, distribuição e recomendação de conteúdo.

All-IP se torna o padrão para distribuição de TV e vídeo. A infraestrutura de fibra e as redes 5G lidarão com o aumento maciço no tráfego digital causado por um uso cada vez mais flexível e móvel das ofertas de mídia. Além disso, eles impulsionarão fortemente o nível de digitalização dos processos de produção de vídeo. Inteligência Artificial e analytics tornam-se elementos-chave da descoberta de conteúdo inteligente com funcionalidades de recomendação inteligente. Inicialmente, as empresas são confrontadas com custos adicionais e considerável esforço técnico, para mudança para All-IP. No entanto, as empresas acabam não tendo outra escolha, pois as linhas ISDN deixarão de existir no futuro. Existem várias opções disponíveis para converção ao All IP, porém um bom planejamento é essencial para desenvolver um plano de migração idealmente adequado para cada empresa.



A TV tradicional e as ofertas de conteúdo não linear coexistirão.

O conteúdo linear e o on demand serão igualmente importantes e coexistirão pacificamente. O vídeo sob demanda em breve se tornará a tendência em todos os grupos da população; ao mesmo tempo, a TV linear permanece significativa. Especialmente o conteúdo ao vivo, como noticiário, esportes e grandes eventos, preservará a grande importância da televisão linear tradicional. Para tomar a dianteira nesta competição, a Globo, principal player brasileiro, conta com três grandes forças: várias plataformas e janelas para promoção de seus conteúdos, qualidade dos conteúdos produzidos internamente e conhecimento do consumidor brasileiro. 


A publicidade em adaptação.

A publicidade em TV e vídeo se adaptará a novos formatos e se concentrará cada vez mais em anúncios personalizados. Aproveitar os dados do consumidor permitirá que as partes interessadas direcionem seus anúncios e conteúdo, maximizando assim a experiência e o valor do cliente. No entanto, a extensão da targeted advertising ainda depende da regulamentação e da disposição dos consumidores em compartilhar seus dados. O marketing publicitário será algo entre um processo totalmente automatizado e negociações de vendas individuais.


Haverá uma regulação geral moderada do mercado.

A regulamentação do mercado será mais moderada em comparação com a altamente regulamentada indústria de mídia hoje. O menor nível de regulamentação das ofertas online e mobile leva a uma redução da pressão regulatória para todos os participantes do mercado, especialmente para as empresas de mídia clássica. Em particular, a menor pressão regulatória levará a um maior nível de liberdade no que diz respeito à cooperação entre os players do mercado e à concentração da propriedade da mídia. A neutralidade da rede continuará a existir.


Publicidade e receitas diretas permanecerão mais relevantes.

Gerar novos fluxos de receita é bastante difícil para os protagonistas do mercado de TV e vídeo. Ofertas inovadoras, como preços com base na demanda para conteúdo, não prevalecerão em grande medida. Além disso, os dados do consumidor serão usados apenas parcialmente na monetização. Existem apenas algumas novas fontes de receita baseadas em dados para as emissoras, já que os consumidores mostram apenas uma disposição ainda um pouco tímida de pagar pelo conteúdo com seus dados.


Players novos e existentes se reposicionarão ao longo da cadeia de valor em um mercado parcialmente consolidado.

A indústria de mídia global será parcialmente consolidada. As partes interessadas farão uso de fusões, aquisições e alianças estratégicas para fortalecer a qualidade do conteúdo e a capacidade de distribuição. Além disso, vários participantes do mercado mudarão ao longo da cadeia de valor, expandindo seus negócios. As emissoras não se concentrarão apenas em suas competências essenciais, mas também ocuparão algumas outras posições na cadeia de valor. Os serviços over-the-top (OTT) tornam-se mais importantes no futuro mercado de TV e vídeo, enquanto os players de tecnologia desempenham um papel menor. Olhando para a produção de conteúdo, tanto os estúdios tradicionais quanto os fornecedores não tradicionais farão parte dela. As parcerias são uma tendência que vamos ver no mercado de streaming. Talvez o consumidor se incomode com essa profusão de serviços de streaming, principalmente se isso atrapalhar a sua experiência. A miríade de opções de conteúdo pode levar o consumidor ao chamado paradoxo da escolha, fenômeno que ocorre quando diante de uma grande variedade de opções o consumidor paralisa. Frente a pressão pela melhor escolha o consumidor estressado não opta por nada novo e decide pelo que já é conhecido.


Nesse mercado vivo e dinâmico, as agências de publicidade continuarão tendo relevância. Como as plataformas digitais facilitam a publicidade personalizada, as agências terão que adquirir habilidades abrangentes de análise de dados. Assim, se tornaram assessores indispensáveis aos anunciantes na intersecção entre os dois mundos, o da criatividade, e dos dados. Ferramentas de dados são incríveis, mas o seu superpoder não está na ferramenta em si, e sim na curiosidade do criativo. É necessário ter genuíno interesse pelo que as pessoas sentem para buscar insights realmente poderosos. 


A próxima década provavelmente dará início a outra série de transições coincidentes, à medida que a indústria da mídia se torna mais baseada em casa, mais pessoal e mais experiencial. Já vimos que há capacidade da indústria de se ajustar a novas estruturas e padrões de mudança de comportamento. Mas aproveitar as próximas ondas de oportunidade exigirá mais do que apenas agilidade e capacidade de resposta de curto prazo. O futuro já foi antecipado em muitos casos. 


Para proteger seus modelos de negócios e fluxos de receita futuros, emissoras e os produtores de conteúdo não podem mais confiar em suas atuais posições de mercado. Todos precisam estar abertos para cooperação e alianças, mesmo com seus concorrentes diretos. As emissoras e os produtores de conteúdo devem trabalhar para convencer os reguladores a permitir esses modelos cooperativos.

Prosperar no ambiente emergente exigirá uma mudança de mindset por parte dos líderes. Eles precisarão se sentir à vontade para administrar em meio a uma série de paradoxos - ser prudentes e assumir riscos, ser criativos, mas norteados por dados, moverem-se rapidamente, mas também de maneira reflexiva, estarem abertos aos concorrentes e colaboradores e ainda focados intensamente nas operações internas.

Além disso, as emissoras estabelecidas e os produtores de conteúdo devem investir continuamente em suas habilidades tecnológicas. A tecnologia se tornou um elemento central de seus processos de negócios e dominá-los é um pré-requisito para estar bem posicionado em um cenário de mercado de vídeo cada vez mais digital. Como resultado, os players tradicionais devem atrair talentos digitais, bem como mentes criativas; além da tecnologia, o conteúdo atraente e criativo certamente continuará sendo o rei.


Com informações de: strategy-business / ProXXIma / PwC Global Entertainment & Media Outlook 2020-2024 / Deloitte The future of the TV and video landscape by 2030.
Eliane El Badouy Cecchettini, Badu como é conhecida no mercado, é publicitária premiada, co-autora de 2 livros. É professora e coordenadora da Pós-Graduação de Economia Criativa e professora na Pós-Graduação de Neuromarketing da Inova Business School. Seus mais de 30 anos de carreira foram construídos em grandes grupos de comunicação como Editora Abril, Folha de S.Paulo e Sony Enterteniment Television e agências de propaganda. Em sua trajetória profissional atendeu contas como Mc Donald’s, Unilever, Johnson & Johnson, FIAT, Bradesco, L'oréal, Tetra Pak, 3M, CPFL, Souza Cruz, Internacional Paper, entre outras. É Head de Media Intelligence & Consumer Insights da Targget House, Conselheira TrendsInnovation, Associate Partner da Inova Consulting para Futuro, Tendências & Consumer Insights, além de pesquisadora do comportamento, mecanismos de atenção e do consumo de mídia contemporâneos.