Negócio sem sal enferruja - Profissão Perigo - por Raphael Müller

Artigo

14 Abril, 2021

Você deve se lembrar da famosa série americana dos anos 1980 e 1990, que tinha como personagem-título o engenhoso agente secreto Angus MacGyver. "Profissão: Perigo", nome de batismo da série no Brasil, girava em torno de MacGyver um técnico da brigada antibombas e veterano da Guerra do Vietnã, que possuía uma série de habilidades para resolver problemas complexos utilizando-se de elementos simples. Não foram raras às vezes em que MacGyver se viu entre a vida e a morte em suas missões. Nestes momentos, tendo à mão objetos comuns como um fósforo, um canivete suíço e uma fita adesiva, ou um chiclete, era capaz de desarmar bombas, conter arroubos de grupos terroristas e salvar o mundo, até o próximo episódio.

As transformações pelas quais o mundo vem passando nas últimas décadas, são inéditas na história. Tal processo tende a intensificar-se ainda mais no pós-pandemia e até o final da década viveremos a introdução de uma enxurrada de tecnologias emergentes, alterando completamente a nossa maneira de interagir com o mundo.

Neste cenário recheado de muita incerteza e enorme volatilidade, estabelecer uma estratégia eficiente capaz de servir de norte para as companhias e seus negócios tornou-se também uma espécie de "Profissão: Perigo", digna de solicitação de adicional por periculosidade. Mas, assim como nosso herói, podemos encontrar um caminho que nos leve ao sucesso de nossos objetivos. Não sairemos desta com fósforos e chicletes, mas poderemos lançar mão da reflexão mais importante a ser feita antes de definirmos a estratégia a seguir: qual é a razão de existir do nosso negócio? Ou para que o nosso negócio serve de fato?

A estruturação deste raciocínio começa a aparecer na década de 1960. Nesta época a coisa vai sendo lançada muito na linha de desconstrução das ideias de gestão pré-concebidas, primeiro com o lendário artigo de Theodore Levitt, "Miopia em Marketing", e alguns anos depois com o livro "Managing for Results", de Peter Drucker, onde o pai da administração afirma: "O que um cliente compra raramente é o que uma empresa pensa estar lhe vendendo".

Duas décadas depois, Drucker retomaria o assunto. Desta vez, introduzindo uma nova linha de pensamento acadêmico. Em seu livro "Inovação e Espírito Empreendedor", de 1985, aparece pela primeira vez a expressão "Jobs to Be Done", com a pergunta sobre qual é o trabalho que o cliente quer que seja feito. Clayton Christensen, guru da Inovação Disruptiva, expandiu e refinou o conceito a partir da primeira década deste século.

Quando nos perguntamos "qual o trabalho que o cliente precisa que seja feito ao contratar nosso produto ou serviço", estamos em busca da razão de existir do nosso negócio. Acontece que para chegarmos à resposta correta precisamos de um ajuste em nosso mindset estratégico.

A maior parte das estratégias estabelecidas pelas corporações leva em consideração a correlação de dados, mas a correlação está longe de indicar uma causalidade. Por exemplo, todos sabemos que o galo canta quando o sol nasce e isto significa que existe uma correlação entre os dois eventos. No entanto, ninguém em sã consciência, defenderia a tese de que se o galo parar de cantar o sol deixará de nascer, concorda? Portanto, entre o nascer do sol e o canto do galo existe apenas uma correlação, mas não uma causalidade.

O exemplo é bastante óbvio, mas parece que a maior parte das organizações age como se a diferença entre correlação e causalidade não existisse. O C-Level fica bastante satisfeito em obter respostas baseadas na correlação, seja para explicar o comportamento de compra dos consumidores, seja para determinar o lançamento de produtos ou até para validar investimentos em novas iniciativas.

Acontece que a correlação não é suficiente para nos ajudar a definir uma estratégia de negócios, uma vez que somente a causa real pela qual um cliente pode vir a escolher e comprar uma determinada solução é o que importa.  

Obter a resposta correta da pergunta, "Para que trabalho uma pessoa contrata o nosso produto ou serviço?", é o meio mais rápido para entendermos a causa pela qual um cliente irá optar pela nossa solução e será determinante para a definição de uma estratégia de negócios que oriente o desenvolvimento de produtos e serviços perfeitos para aquele público, abrindo espaço para a inovação e criação de novas experiências de consumo.

Estrategistas de plantão: Assim como o MacGyver não sairia para uma missão sem uma caixa de fósforos e um pacote de chicletes, devemos ter sempre à mão o conceito de "Jobs to Be Done". Nos dias de hoje essa é a melhor ferramenta para utilizarmos em nossa profissão perigo!                                                                           

Até o mês que vem com a nossa próxima pitada de sal!

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A coluna "Negócio sem Sal Enferruja" da Inova Business School tem o objetivo de debater assuntos ligados à estratégia corporativa. Caso queira fazer comentários, críticas ou sugestões entre em contato comigo por meio do e-mail [email protected]