Negócio sem sal enferruja - Pra não dizer que não falei de flores - por Raphael Müller

Artigo

19 Março, 2021

Final dos anos 80. O Brasil começava a experimentar uma sensação a qual não vivíamos há muito tempo. Apesar dos anos difíceis para a economia, o tão aguardado ambiente da redemocratização política começava a se avizinhar como uma jornada realmente possível.

Eis que em um dia comum de trabalho, na mesa de almoço organizada no prédio do Jornal O Globo estavam toda a diretoria do veículo com o Dr. Roberto Marinho. De repente, um dos diretores apontando para um outro colega solta na mesa em alto e bom som: "Pois é, Dr. Roberto, não sei se o senhor sabia, mas numa das fases de endurecimento do regime ele jogou pedras aqui no prédio do jornal, sabia Dr. Roberto?".

O diretor delatado, um executivo muito experiente e perspicaz, sentiu logo o cheiro da tentativa de fritura e com muito bom humor se saiu com essa: "É verdade Dr. Roberto. Eu realmente joguei pedras. Mas era porque eu não conhecia direito O Globo. Se fosse nos dias de hoje...eu jogaria flores!". A resposta espontânea e inteligente jogou água no chope do amigo da onça e levou todos às gargalhadas, inclusive o próprio Dr. Roberto.

Nos dias atuais, com um acirramento cada vez maior da questão ideológica em diversos ambientes, parece estar um pouco comprometida a predisposição de alguns líderes em contar com pessoas que tenham visões diferentes das suas.

Na política isso é notório. Você deve se lembrar da saia justa em que ficou o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, quando precisou revogar a nomeação de Ilona Szabó para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. A cientista política, Fundadora do Instituto Igarapé, que se dedica a estudar e a elaborar propostas de políticas públicas para a redução da violência, traria certamente um olhar mais plural para os debates do Conselho, sobretudo por ter sido uma das coordenadoras da campanha nacional de desarmamento. No entanto, a pluralidade de ideias, definitivamente não é um valor que está na pauta deste governo.

O mesmo podemos dizer das novas idas e vindas para a nomeação de mais um novo ministro da Saúde do Brasil, em meio a esta pandemia. A médica Ludhmila Hajjar, que seria a primeira opção para ocupar o posto de Eduardo Pazuello, recusou o convite alegando divergências técnicas com o comandante em chefe do país e bastaram poucas horas para que um vídeo da cardiologista cantando "Amor I love you" para a ex-presidente Dilma, em uma de suas idas ao Hospital Sírio-Libanês em 2015 ou 2018, viesse à tona, recheado de desinformação, discursos de ódio e desqualificação da profissional, como se o fato de ter cantado "Presidenta, I love you" fizesse da doutora uma seguidora fiel do stalinismo.

Não é fácil lidar com pessoas que tenham perspectivas diferentes das nossas em uma determinada questão. No entanto, é a pluralidade de ideias que nos estimula a desenvolvermos o raciocínio crítico, uma competência fundamental para gestores que precisam elaborar estratégias de negócio para suas companhias. 

Ouvir todos os matizes de opinião, incluindo as suas nuances e entendendo que qualquer ponto de vista não deve ser reduzido como certo ou errado é o princípio do desenvolvimento de uma estratégia eficaz e de uma execução eficiente no ambiente de negócios. 

Como resposta à hiperconectividade e à enxurrada de informações a que somos submetidos diariamente, parece tentador fechar-se em uma bolha que contemple apenas aquelas pessoas que pensam como você e tem a mesma visão de mundo que a sua. Acontece que quando gestores de negócio caem na armadilha de que "Narciso acha feio o que não é espelho", deixam de olhar seu público como realmente ele é, passando a desenvolver estratégias cada vez mais desconectadas da sociedade e do mundo real.

Seja na política ou nos negócios, precisamos de líderes dispostos a cultivar e jogar mais flores do que pedras. Podem ser rosas, girassóis, orquídeas, crisântemos e tantas outras possíveis, desde que sejam verdadeiras, naturais e não como flores de plástico, que assim como ideias medíocres podem até parecer reais, mas não passam de uma imitação barata. 

Tudo o que não precisamos, seja nos negócios ou na política, são de ideias baratas, com o agravante de que assim como as flores de plástico, essas ideias também não morrem.                                                            

Até o mês que vem com a nossa próxima pitada de sal!


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