Inteligência Artificial para Negócios - Marco legal da inteligência artificial fazendo (mal feito) o certo na hora errada - por Fabiano Castello
13 Outubro, 2021
Em 29 de outubro de 2021 a Câmara dos Deputados aprovou o marco legal para o uso da inteligência artificial (IA) no Brasil (PL 21/2020). Por se tratar de um assunto muito próximo, acompanhei de perto a tramitação deste projeto de lei. E o fato de ter sido aprovado, em regime de urgência, me remete ao melhor "meme" que vi no ano passado: "algumas pessoas me perguntam como eu consigo conciliar tantas atividades: o segredo é fazer tudo mal feito". Seria cômico se não fosse trágico.
O PL diz que o uso de IA deve ter como fundamentos o "desenvolvimento tecnológico e inovação, a livre iniciativa e livre concorrência, o respeito aos direitos humanos e aos valores democráticos, a igualdade, a não discriminação, a pluralidade e o respeito aos direitos trabalhistas, e a privacidade e a proteção de dados", e chega poucos meses depois do MCTI divulgar o Ebia, ou Estratégia Brasileira de Inteligência Artificial, que tem o objetivo de promover o desenvolvimento nacional em IA, através do fomento de ações que estimulem pesquisa, inovação e desenvolvimento de soluções em IA, bem como seu uso consciente, ético e em benefício da sociedade.
Se o Ebia já é um documento confuso, genérico e amplamente criticado pela comunidade, o PL segue o mesmo caminho.
Em primeiro lugar, uma comparação. Se pegarmos como exemplo a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD, Lei 13.709/2018) e o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), ambos os projetos foram amplamente discutidos com a comunidade (respectivamente 6 e 10 anos), e contaram com o envolvimento amplo da comunidade. Não é o caso do PL, que tramitou em regime de urgência e, claramente, foi elaborado sem o envolvimento adequado de especialistas. Falta consistência e alguns artigos podem até mesmo trazer atraso no desenvolvimento tecnológico.
Atraso no desenvolvimento tecnológico é justamente o que não precisamos agora, muito pelo contrário: deveríamos tirar as travas para avançar e não ficar para traz em relação a outros países.
Muito diferente é a abordagem europeia, publicada em abril, e já comentada em artigos anteriores. Sobre os objetivos, o regulamento é semelhante ao PL 21/2020 e trata sobre transparência no processo de tomada de decisão a partir de inteligência artificial e se ele (o processo) é realizado a partir de critérios socialmente aceitos e legais, evitando assim situações como racismo, preconceito e misoginia. Porém, ao contrário do "nosso" PL, a regulação europeia é robusta e, principalmente, foi publicada como draft para coletar feedback da comunidade e ser discutido antes de sua aprovação.
Em segundo lugar, questões de ordem administrativa. Os objetivos são nobres, mas onde está o orçamento para realizá-los? De onde virá o dinheiro? Neste ponto, o PL segue a LGPD: cria-se a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), mas "sem aumento no custeio". Alguém pede a você para fazer uma feijoada, mas não diz de onde sairá o dinheiro para comprar o feijão, o porco e a cachaça para a caipirinha. Como esperar que a feijoada chegue à mesa?
Em suma, é inegável que regulação em inteligência artificial, ou seja, conhecermos os limites do que é ético, adequado, seguro e confiável, é importante, e eu já comento sobre isso há pelo menos 4 anos. No entanto, é possível dizer que a própria LGPD e o Marco Civil da Internet, bem como a Constituição, já trazem alguma proteção para os cidadãos (ok, sei que é apenas um pedaço da regulação, mas pelo menos podemos dizer que hoje não temos uma tabula rasa).
Num mundo ideal, a regulação (o PL) deveria andar paralelamente ao desenvolvimento da tecnologia (as diretrizes do Ebia). Mas não adianta fazer mal feito. Da forma como está, o PL não apenas é ineficaz como prejudica o desenvolvimento. Um amplo debate é necessário, com o envolvimento de especialistas, porque não adianta falar sobre riscos que ainda não estão claramente definidos.
Agora nos resta torcer para que o Senado, próximo passo da tramitação, corrija os erros da Câmara dos Deputados e incentive o debate.
Em tempo, procurando uma imagem legal sobre "mal feito" no google, achei tantas coisas engraçadas que fiz um compilado. Está abaixo, divirtam-se! Abraços a todos.