Ponto de Contato - Vamos falar sobre Economia Circular? - por Eliane El Badouy
Artigo
28 Dezembro, 2020
Por séculos, a economia funcionou da mesma forma: Gestão da Escassez por meio da administração de recursos limitados para necessidades humanas ilimitadas. Ou seja, as empresas extraem e transformam. Os clientes, por sua vez, consomem e descartam, em busca de novos produtos.
Esse processo linear se inicia na exploração dos recursos naturais e é concluído pela geração de montanhas de lixo sem utilidade. É fato que não há limites para as necessidades humanas - normalmente relacionadas a sua capacidade de consumir, tanto em número quanto em variedade. Porém, apesar de todo extraordinário progresso que obtivemos desde a revolução industrial, nos encontramos hoje numa encruzilhada perigosa.
Nos últimos 200 anos, a transformação de recursos naturais aparentemente abundantes em capital financeiro nos levou a um conceito novo ao que os cientistas Paul Crutzen e Eugene F. Stoermer chamam de Antropoceno, uma nova era geológica, onde as atividades humanas, da agricultura ao desenvolvimento do plástico, do concreto e da energia nuclear, passando pelo aquecimento global, vem afetando a Terra de tal forma que criamos um novo período de tempo geológico.
O que nos levou até onde estamos hoje, em todos os sentidos, foi a economia linear.
Desde o boom da Revolução Industrial, a economia linear proporcionou altos padrões de vida e tremenda riqueza em algumas partes do mundo.
Isso foi, no entanto, alcançado com alto custo para o planeta e para muitas das pessoas nele.
No atual mundo de recursos limitados do rápido crescimento populacional e da urbanização, esse modelo linear ‘extrair, produzir, desperdiçar’ da atualidade está atingindo seus limites físicos e já não faz mais sentido.
A economia circular é uma alternativa atraente que busca redefinir a noção de crescimento. Propõe uma mudança em toda a maneira de consumir, do design dos produtos até nossa relação com as matérias-primas e resíduos. É a busca pelo desperdício zero e lixo zero, e vai tornar o capitalismo mais sustentável e eficiente. Pode criar mais postos de trabalho e, simultaneamente reduzir o consumo de energia, água e recursos das empresas, dos países e do planeta. É um conceito baseado na inteligência da natureza, opondo ao processo produtivo linear o processo circular, onde os resíduos são insumos para a produção de novos produtos.
No meio ambiente, tudo é continuamente nutriente para um novo ciclo. Isso envolve dissociar a atividade econômica do consumo de recursos finitos, e eliminar resíduos do sistema por princípio.
De acordo com a Fundação Ellen MacArthur o conceito reconhece a importância de que a economia funcione em qualquer escala - para grandes e pequenos negócios, para organizações e indivíduos, globalmente e localmente. A transição para uma economia circular não se limita a ajustes visando a reduzir os impactos negativos da economia linear. Ela representa uma mudança sistêmica que constrói resiliência em longo-prazo, gera oportunidades econômicas e de negócios, e proporciona benefícios ambientais e sociais. O modelo circular constrói capital econômico, natural e social, e faz uma distinção entre ciclos técnicos e biológicos. O consumo se dá apenas nos ciclos biológicos, onde alimentos e outros materiais de base biológica (como algodão e madeira) são projetados para retornar ao sistema através de processos como compostagem e digestão anaeróbica. Esses ciclos regeneraram os sistemas vivos, tais como o solo, que por sua vez proporcionam recursos renováveis para a economia. Ciclos técnicos recuperam e restauram produtos, componentes e materiais através de estratégias como reuso, reparo, remanufatura ou (em última instância) reciclagem.
Isto garante fluxos aprimorados de bens e serviços.
O diagrama sistêmico ilustra o fluxo contínuo de materiais técnicos e biológicos através do ‘círculo de valor’.
FOTO: Reprodução Internet
O modelo de economia circular sintetiza uma série de importantes escolas de pensamento, incluindo a economia de performance de Walter Stahel; a ideia de biomimética articulada por Janine Benyus; a ecologia industrial de Reid Lifset e Thomas Graedel; o capitalismo natural de Amory e Hunter Lovins e Paul Hawkens; a abordagem blue economy como descrita por Gunter Pauli. Há ainda a filosofia de design Cradle to Cradle (do berço ao berço) de William McDonough e Michael Braungart que utilizarei como referência para ilustrar como a circularidade funciona na prática, e muito bem.
Marcas do universo fashion já estão trabalhando com a Certificação C2C há tempos. A linha Ciclos da C&A segue os padrões de sustentabilidade mais exigentes do mundo. É uma roupa pensada e criada de forma inteligente, com algodão mais sustentável e feita com materiais que preservam o solo e a água. Todas as peças que levam a etiqueta Ciclos têm a garantia da certificação do Cradle to Cradle Products Innovation Institute. Já a marca Suíça de tênis, On anunciou o The Cylon: um par de tênis totalmente reciclável que só pode ser "comprado" por meio de uma assinatura mensal. O objetivo da On é atingir a circularidade total e criar novos tênis com os pares que os clientes enviam de volta. A assinatura de tênis é de US$ 29,99, o que permite aos clientes trocar seus sapatos atuais por novos com a frequência que quiserem, garantindo que a On receberá devoluções de tênis suficientes para tornar a circularidade viável. O Cylon é feito de grãos de mamona (não plásticos à base de petróleo, como muitos sapatos) e pode ser totalmente reciclado.
É importante destacar que o modelo de economia circular apresentado acima tem importantes origens históricas e filosóficas. O economista britânico Kenneth Boulding é apontado por alguns acadêmicos como o pai do termo, ao publicar, em 1996 o artigo "The economics of coming spaceship earth" em que defendia que o homem precisa encontrar o seu lugar em um sistema ecológico cíclico que seja capaz de reproduzir continuamente a forma material. Essa ideia, porém, também foi percebida - e difundida - por Ellen MacArthur, velejadora quando percorreu mais de 50 mil quilômetros, numa volta ao mundo em 3 meses. Como dispunha de poucos recursos e precisava economizá-los ao máximo para manter sua sobrevivência em alto mar, Ellen entendeu a importância da preservação e reaproveitamento dos recursos justamente por estes serem limitados. Esse insight originou o instituto homônimo ao seu nome; Ellen MacArthur Foundation tornando-se expoente na divulgação da Economia Circular e aclamado por diversos especialistas e estudiosos sobre meio ambiente.
Esse modelo apresenta similaridades com aquele proposto pela economista britânica Kate Raworth, do Instituto de Mudanças Ambientais da Universidade de Oxford, conhecido como Economia Donut (economia da "rosquinha") que propõe um sistema no qual as necessidades de todos serão atendidas sem esgotar os recursos do planeta, um contraponto possível ao crescimento ilimitado a qualquer custo. Uma mudança de paradigma para um sistema que desconsidera os limites ambientais, entre outros fatores.
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