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Negócio sem sal enferruja - Cara ou Coroa - por Raphael Müller

Artigo

10 Agosto, 2020

A professora entrou na sala de aula e sem dizer palavra escreveu no quadro branco em letras garrafais: "Deus não joga dados com o universo". Ao final disse seu nome e se dirigiu aos alunos, em sua maioria executivos com mais de 25 anos de experiência em liderança corporativa e formulação de estratégias empresariais: "Gostaria que apalpassem embaixo da cadeira de vocês. Entre um chiclete ou outro inevitavelmente colado, vocês encontrarão uma moeda. Quero que fiquem com ela em suas mãos. Assim que estiverem com a moeda, peço que por favor se levantem. "

Todos, sem exceção, obedeceram às orientações iniciais e a professora continuou: "A partir de agora disputaremos uma competição de cara ou coroa. Ao meu sinal todos escolherão mentalmente se apostam em cara ou coroa. Feita a opção jogarão a moeda para o alto e a pegarão, verificando o resultado. Quem tiver acertado permanece de pé e quem errou pode se sentar. "

Ao sinal da professora todos iniciaram a primeira rodada. Quem perdia sentava e quem ganhava permanecia de pé. E assim foi rodada após rodada até ficarem somente três alunos de pé que se enfrentaram naquela que seria a última disputa. A vitoriosa foi uma executiva na casa dos seus 50 anos de idade. VP de Marketing de uma multinacional americana, a executiva ostentava um leve sinal de orgulho na face, fruto possivelmente da natureza competitiva de profissionais deste naipe. 

A professora então a parabenizou e fez a seguinte pergunta: "Qual foi a estratégia que você utilizou que a fez superar todos os seus colegas, certamente tão gabaritados e experimentados no mundo dos negócios quanto você? "

A executiva ficou sem palavras por alguns segundos, meio que tentando achar uma resposta conveniente para aquela indagação no mínimo desconfortável. Mas eis que lançou mão de todo o seu repertório e respondeu: "Para mim, o que fez a diferença foi o foco. Coloquei 100% do meu foco na competição e, como procuro orientar o meu time, o foco é uma ferramenta essencial que precisamos aprimorar para prosperar neste complexo mundo em que estamos vivendo. "

A cena continuou, mas de fato você acredita que alguém engoliu o argumento de que calibrar o foco é a estratégia matadora para ganhar disputas de cara ou coroa? Nem os resultados de cara ou coroa, nem loteria, nem dados e nem bingo podem ser administrados com ampliação de foco ou qualquer outro artifício uma vez que são jogos de azar, definidos desta forma pelo fato de que os que têm sorte obtém êxito a partir do azar dos perdedores. Ou seja, são eventos orientados pelo acaso, pura e simplesmente, e sendo assim o nosso poder de influenciá-los é limitadíssimo.

A frase que a professora escreveu no quadro no início da aula é atribuída a Albert Einstein e adaptada de uma carta escrita por ele em resposta ao físico alemão Max Born, em um debate sobre mecânica quântica. Em síntese, o que o pai da Teoria da Relatividade queria dizer com esta frase é que no universo existe uma harmonia natural, submetida aos princípios físicos de causa e efeito, e não a aleatoriedade. Em outra oportunidade, mas de certa maneira versando sobre o mesmo tema, Einstein falou: "Todos nós dançamos numa melodia misteriosa, entoada à distância por um músico invisível. "

Os mais apressados poderiam pensar que se o grande físico tem de fato razão, vivemos em um mundo determinista, desempenhando o papel de marionetes, sem quaisquer influências sobre o resultado final dos eventos à nossa volta. Entretanto, em minhas reflexões gosto de pensar que por mais que o tal músico defina o ritmo e a canção, estamos livres para desenvolver a coreografia e bailar livremente. Assim como, o fato de Deus não ser adepto aos jogos de azar nos aproxima do clichê motivacional, e por que não dizer inspirador, de plantar hoje o que se deseja colher amanhã.        

Bom, mas e as moedas? E os negócios? E a estratégia?

Os alunos daquela sala de aula são como as empresas que competem diariamente para entregar mais valor aos seus clientes. Como suas estratégias competitivas foram definidas a partir do princípio da aleatoriedade, nenhuma delas teve a capacidade de tomar as rédeas do mercado apresentando e implementando soluções que pudessem trazer um ingrediente novo para o ambiente de negócios.  

O mais grave e o mais comum do que não ter desenvolvido um plano estratégico eficiente é: quando os gestores se apegam a estratégia inicial do negócio e passam a ficar imunes às mudanças da sociedade e à insights de clientes e colaboradores. Começam a dançar em descompasso com um mundo em intensas transformações, tomando decisões descoladas do ambiente em que estão inseridos, como moedas aleatoriamente lançadas no ar. 

Um bom caminho para que a sua estratégia não sofra deste mal é planejar o seu negócio ancorando a ele o mapa de tendências para as próximas décadas. Negócios promissores neste mundo em que vivemos certamente serão aqueles com a habilidade de desenvolver uma elevada capacidade de antecipar o futuro.   

Portanto, reveja a estratégia do seu negócio, investindo tempo para analisar e propor discussões sobre os diversos estudos de pesquisa de tendências e construção de cenários disponíveis. Com a velocidade de mudanças que estamos experimentando não mais é possível encarar o estudo do futuro como uma questão supérflua. Ao modelar seu negócio sem essa premissa você estará sujeito a fazer sempre a mesma pergunta: Cara ou Coroa?      

Até o mês que vem com a nossa próxima pitada de sal!

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