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Negócio sem sal enferruja - Em busca de um Propósito - por Raphael Müller

Artigo

10 Setembro, 2020

Todos já tivemos a sensação de participar de reuniões demais ao longo do dia. Nestes tempos de pandemia, distanciamento social e home office, com a enxurrada de calls e videoconferências, nem se fala. É muito difícil classificar previamente uma reunião como desnecessária, importante, crucial ou histórica, até porque, convenhamos, a maior parte delas é mesmo irrelevante. Acontece que em alguns casos elas, as reuniões, são históricas. 

O ano era 1994, e um engenheiro elétrico americano de 30 anos de idade, após ter trabalhado por quase uma década na área de informática do Walmart, conduzia uma reunião com a pequena equipe inicial de sua recém-fundada empresa. Este jovem empreendedor era Jeff Bezos, a startup era a Amazon e a parte histórica da reunião começa aqui. 

Em um determinado momento, Bezos sugere que eles deveriam incorporar ao site a possibilidade de avaliação dos livros pelos clientes. Tratava-se de uma baita inovação, inaugurando o sistema de rating, que alguns anos depois viria a ser um dos instrumentos de influência mais utilizados para a tomada de decisão de compra em toda a internet. Acontece que um dos colaboradores, que estava presente à reunião, foi totalmente contrário à sugestão do fundador. Ele dizia que a decisão poderia ser um tiro no pé, uma vez que estas avaliações, quando negativas, certamente ocasionaria a redução das vendas futuras dos livros com pior desempenho. 

Neste momento Bezos retoma a palavra e faz a afirmação mais importante para a longevidade e criação da Amazon como a conhecemos hoje: "Quem disse que estamos no negócio de vender livros? Nossa visão é ser a empresa mais centrada do cliente. O lugar onde as pessoas vão para encontrar e descobrir qualquer coisa que quiserem comprar on-line".1 Não é preciso dizer que naquele momento a empresa estava nascendo aparentemente como uma livraria online, já que, naquele início, só vendia livros realmente, mas a declaração do fundador mostra claramente o seu objetivo e com que propósito aquela empresa nasceu.

É assim que a Amazon desde o início projetava o seu PTM (Propósito Transformador Massivo), de ser "A Loja de Tudo". PTM que hoje está estampado em sua logomarca (produtos de A a Z) e é uma realidade para a companhia, que registrou o maior lucro líquido trimestral de sua história, com US$ 5,2 bilhões (R$ 26,83 bilhões) no segundo trimestre de 2020, o dobro em relação ao mesmo período de 2019.  

O PTM foi um conceito lançado pelos fundadores e executivos da Singularity University no estudo em que fizeram sobre as Organizações Exponenciais. Em seu trabalho eles perceberam que assim como no caso de Bezos o PTM mais poderoso não é uma decisão mercadológica ou de negócios. Trata-se de uma paixão pessoal do fundador e normalmente é identificada pelo desejo incondicional de resolver um grande problema. O PTM é uma declaração que tem sentido com a dimensão da pessoa e não com a dimensão do empresário.

TED, "Ideias que merecem ser espalhadas", Google, "Organizar a informação do mundo", ou Red Bull, "Te dá asas", são exemplos de declarações de propósito muito poderosas de algumas organizações exponenciais conhecidas. Estas declarações são capazes de engajar corações e mentes mundo afora. São totalmente aspiracionais, sem indicar necessariamente o que a empresa faz, mas o impacto transformador e massivo que ela deseja causar. O PTM deve ser inspirador a ponto de criar uma verdadeira comunidade, composta por colaboradores, clientes, fornecedores e público em geral, ao redor da empresa influenciando de volta a organização e seus negócios.

O Propósito Transformador Massivo é o alicerce fundamental sobre o qual será pavimentada a cultura de uma corporação e é sobre esta cultura organizacional que a estratégia emergirá desdobrando-se em planejamentos táticos e operacionais, que resultarão em sua sustentabilidade e em seu crescimento exponencial.     

Se você está na fase de iniciar uma jornada empreendedora, comece pela pergunta: qual é o maior problema que eu quero resolver? Não inicie pelos problemas existentes no mundo que precisam ser resolvidos, muito menos pelas oportunidades mercadológicas mapeadas. Procure iniciar por aquele grande problema que você tem a motivação suficiente para definir como seu e como resultado propor uma solução, que aí sim impactará o mundo. 

Se você está revendo a estratégia do seu negócio comece pela razão de existir e reflita sobre o propósito da sua organização, a ponto de ao declará-lo sentir que ele é capaz de engajar outras pessoas, com potencial para criar uma comunidade e quem sabe até mesmo uma multidão.                            

Até o mês que vem com a nossa próxima pitada de sal!

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O blog "Negócio sem Sal Enferruja" da Inova Business School tem o objetivo de debater assuntos ligados à estratégia corporativa. Caso queira fazer comentários, críticas ou sugestões entre em contato comigo por meio do e-mail [email protected]